Para muitos garotos que sonham em
ser jogadores, passar pela peneira é o primeiro passo. Às vezes, a preparação
começa onde vários craques foram descobertos: os campos de várzea. Fácil não é.
Mas ninguém que hoje seja ídolo do futebol pôde evitar percorrer esse caminho.
Passar por uma peneira - e por testes em clubes - é mais do que uma prova: é o
início do que pode se concretizar em uma carreira promissora. E, mais do que
isso, é realizar um sonho.
Rara é a história em que um
menino passa a jogador no primeiro teste. Alguns imploram para não ir embora.
Outros recolhem as chuteiras e partem para a próxima. E muitos dizem:
"Chega, parei aqui".
Porque para quem almeja, mais que
tudo, defender uma camisa e fazer arte com a bola nos pés, a peneira é início,
meio e fim.
Foi depois de várias dessas que o
jogador com o maior número de partidas disputadas em Copas do Mundo ingressou
no futebol. Várias: 12 delas. E recusado em todas. Cafu, o lateral-direito
pentacampeão com a Seleção em 2002, tentou, aos 15 anos, ingressar no São
Paulo. Ouviu um "você é bom, mas aqui só tem jogador de seleção".
Enquanto os irmãos e amigos diziam que ele deveria desistir, procurar um
emprego, fazer outra coisa, Cafu tentava de novo, na Portuguesa. Foi recusado,
não desistiu. Só no São Paulo foram quatro peneiras, sem desanimar.
Por história semelhante passou o
hoje 9 da Seleção. Leandro Damião implorou para jogar no Clube Atlético Hermann
Aichinger, de Ibirama, em Santa Catarina. O centroavante deixara São Paulo,
onde jogava na várzea, para atuar no Sul. Rodou na peneira do time júnior, em
2007. Correu à sala do presidente do clube, Ayres Marchetti, e pediu:
- Não me façam voltar para a
casa, quero ser um grande jogador, me deem mais uma chance. Jogo até de graça,
mas quero jogar.
Ficou. E jogou até ser buscado em
Ibirama pelo Inter B, de onde surgiu para o futebol brasileiro.
A tensão do teste pode
desequilibrar. Ao mesmo tempo que grande parte dos meninos sonha com a vida
depois da aprovação como uma continuação de algo que sempre fizeram, com
tranquilidade e serenidade, alguns são traídos pelo nervosismo e pela
insegurança. Mas quem passou pelos percalços de uma avaliação para entrar no
futebol garante que a calma e o treino são os segredos.
- Sempre treinava com o meu pai,
me preparei bastante. Quando fiz o peneirão no Inter, só ficaram quatro ou
cinco - conta Fábio Rochemback, hoje no futebol chinês, depois de ser um dos
comandantes da arrancada que classificou seu clube do coração, o Grêmio, para a
Libertadores, em 2010.
Estar à vontade no campo também
foi o que colocou o volante China, ex-Grêmio, no caminho do futebol. Aos 18
anos, era um expoente da várzea em Passo Fundo. Seu amigo de infância, o
atacante Kita atuava no 14 de Julho, tradicional clube da cidade, e falou com
os dirigentes. China passou fácil no teste entre os juvenis. O ano era 1977.
- Fiz um bom Campeonato Gaúcho.
Me puxaram para os profissionais e veio a proposta para um primeiro contrato -
conta o ex-jogador, que foi Campeão do Mundo com o Grêmio em 1983.
Todos eles tiveram um sonho. E
correram atrás, não só com a gana que o sonho desperta, mas também com o medo
que ele significa. E enfrentaram disputas para realizá-lo. Assim como, agora,
muitos meninos o farão
para se tornarem aquilo que um dia sonharam em
ser.
Aprovado e rejeitado
Eram mais de mil meninos. O ano:
1998. Nei, hoje lateral-direito titular do Inter, tentava ingressar nas
categorias de base do Palmeiras, em um teste na sede do clube, o Parque
Antártica, em São Paulo. Conseguiu. Só ele e mais um garoto passaram. Nei treinou
um ano inteiro e foi dispensado. Não servia para os padrões do time paulista.
Não estava preparado.
- Você começa a desconfiar de si
mesmo. Ao mesmo tempo que muitas pessoas dizem que você pode e que joga bem, um
clube te dispensa. É decepcionante, não tem como não ser.
Quando chegou em casa, disse para
a mãe ficar tranquila, que logo estaria jogando em outro clube. E foi o que
aconteceu: convidado para atuar pelo Bragantino, ficou perto da família - Nei é
de Bragança Paulista, a cidade do time, em São Paulo - e dos amigos, estudando
e jogando, por dois anos.
Mas era só o começo. Quando
deveria tornar-se profissional no Bragantino, o salário oferecido não o segurou
no clube. E lá foi Nei começar tudo de novo. Um novo teste no América-MG. Uma
nova recusa. Era 2002 e, diante da nova decepção, o jogador decidiu parar a
carreira e concluir os estudos. Mas o futebol falou mais alto, e um novo teste
na Ponte Preta o colocou de volta aos gramados. Desde lá, Nei nunca mais pensou
em desistir. E garante que a tranquilidade foi o que o devolveu àquilo que
"sempre quis fazer".
- Muitos garotos quando fazem
testes se preocupam em aparecer, em mostrar algo que não estão acostumados a
fazer no dia a dia. A ansiedade acaba mostrando os defeitos. Nessas horas, é
preciso minimizar os erros e mostrar as qualidades. Confie sempre em você, você
está acostumado a jogar, você quer fazer isso e tem potencial. A única pessoa
que pode te diminuir é você mesmo - aconselha o lateral.
Outros tempos
Nos idos dos anos 60 e 70, a
maioria dos bons jogadores não era descoberta em peneiras. A várzea era o
grande celeiro de craques. Olheiros disputavam os adolescentes e os
encaminhavam aos clubes para que pudessem mostrar seu talento. Os testes eram
mais brandos, mas não a emoção de ser aprovado em um deles.
Jogador da várzea, Claudiomiro
fez um teste aos 14 anos. Não foi com medo. Tinha "confiança no taco"
e acreditava que, da maneira como jogava, era impossível não passar. Mesmo
assim, voltou para a casa sem saber o resultado. Dois dias depois, foi chamado
pelo Inter para treinar entre os mirins. No mesmo ano, passou ao profissional.
- Era uma sensação fora de série.
Uma coisa que eu queria, que eu gostava, adorava fazer. Passar por isso é
inexplicável - conta o atacante.
A mesma sensação teve o gremista
Iúra, em 1970. Não fez peneira, foi levado direto ao juvenil do Grêmio, depois
de ser recolhido na várzea, onde costumava desdobrar seus talentos sobre os
campos de terra. Tinha já 18 anos na época, tarde para iniciar no futebol. Se
fosse hoje, provavelmente não teria ficado. E se não tivesse ficado,
provavelmente não tentaria outro clube. Iúra era - e ainda é - um apaixonado
pelo Grêmio.
- Tudo que você faz tem de ser
feito com paixão. Eu pulava a janela na escola porque alguém passava com uma
bola para jogar futebol. E eu só cheguei onde cheguei porque tinha paixão por
jogar futebol - conta o ex-jogador, hoje conselheiro do Grêmio.
Para os dois, os tempos são
outros. As peneiras exigem preparação física, formação de atleta e muito
treinamento. O que não se pode é desistir.
- Tem muitos grandes jogadores
que foram mandados embora de um clube e acabaram sendo craques em outro lugar.
Tem de acreditar - garante Iúra.
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br
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